Elizabete Araújo e Jefferson Ribeiro
Octavio Ianni formou-se em ciências sociais na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, em 1954. Logo após a formatura, integrou o corpo de assistentes da Faculdade, na cadeira de Sociologia I, da qual Florestan Fernandes era o titular.1 Octavio Ianni é, sem favor, um dos fundadores da sociologia no Brasil e um dos expoentes da “escola paulista de Sociologia”.2 Foi autor de obras importantes como: "Cor e Mobilidade Social em Florianópolis" (1960, em colaboração), "Homem e Sociedade" (1961), "Metamorfoses do Escravo" (1962); "Industrialização e Desenvolvimento Social no Brasil" (1963), "Política e Revolução Social no Brasil" (1965), "Estado e Capitalismo no Brasil" (1965), "O Colapso do Populismo no Brasil" (l968).
O autor começa o seu texto descrevendo o cenário histórico que propiciou o desenvolvimento do capitalismo. Com o fim da Guerra Fria, surge um novo ciclo de globalização do capitalismo, sem barreiras socialistas. Isto provoca uma força coercitiva no cenário geopolítico, sendo que os mecanismos utilizados para promover as reformas políticas, econômicas e socioculturais, identificadas pelo autor foram o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (BIRD) e a Organização Mundial do Comércio (OMC). Estas instituições deram e dão legitimidade ao neoliberalismo, a sua importância está no sentido de regulamentar e manter a lógica do neoliberalismo, como por exemplo, em 1990, o Fundo Monetário Internacional (FMI) promoveu oficialmente o ajustamento econômico de países subdesenvolvidos que passavam por dificuldades. Isto ficou conhecido como o Consenso de Washington. As medidas foram as seguintes: Abertura comercial, privatização de estatais, redução dos gastos públicos, disciplina fiscal, reforma tributária, desregulamentação, estímulo aos investimentos estrangeiros diretos, juros de mercado, câmbio de mercado, direito a propriedade intelectual, ou seja, todas as diretrizes neoliberais.
O neoliberalismo apresenta como uma das principais características o rompimento das políticas públicas adotadas no período das social-democracias (estado de bem estar social), como por exemplo, investimentos em educação e saúde pública. Isso mostra que esses serviços, inicialmente proporcionados pelo Estado, são transferidos para a responsabilidade dos indivíduos, através da privatização desses setores. Outro espaço social, que deveria ser nacional, mas é apontado por Octavio Ianni como espaço ideológico do capital transnacional, é a mídia. Assim, torna-se evidente a construção de uma sociedade marcada pela crescente produtividade, busca na partição do mercado e consequentemente, a competitividade. Esta reestruturação política trouxe como prioridade principal o capitalismo transnacional, tornando as nações subalternas como meras “províncias do capitalismo mundial”, marcado pela extrema articulação do capital estrangeiro com o capital nacional, segundo Octavio Ianni. Esta extrema articulação propiciou uma maior desintegração do Estado com a Sociedade Civil, e como consequência desta separação, os interesses estatais estão pautados no capital global e os setores da sociedade civil restringido aos espaços do mercado. Outro fruto da desintegração do Estado com a Sociedade Civil apontado por Octavio Ianni, foi o maior desinteresse da população pela politica e pelo processo eleitoral, a xenofobia, racismo, etnicismo e fundamentalismo.
A Sociedade civil e o Estado não são duas entidades sem relação entre si, pois entre um e outro existe um contínuo relacionamento. Porém, a rigor, o Estado-nação sempre foi uma realidade problemática, pois o Estado e a Sociedade Civil nunca estiveram sobre completa integração. Contudo, o neoliberalismo penetrou na sociedade Civil como um gás inodoro e venenoso, por meio do seu privatismo e economicismo e deixando o Estado com todas as caraterísticas da classe dominante. Se na prática, já era difícil interligar o Estado com a Sociedade Civil, é de se esperar que sob o neoliberalismo, este abismo se acentue. Um caso vívido e explicito de regime antagônico, tendenciado ao fascismo com grandes conquistas á sociedade civil foi o governo de Vargas, o Estado Novo. Assim como proposta de mudança, Octavio Ianni propõe novos meios de conscientização e atuação para “fazer com que a sociedade civil caminhe no sentido de influenciar, conquistar ou educar duramente o poder estatal”.
O objetivo do texto de Octavio Ianni foi mostrar como o neoliberalismo atua como lógica global em todos os setores da sociedade, e quais as consequências da adoção desta teoria para o Estado-nação. Algo muito interessante do texto de Octavio Ianni foi o enfoque latino-americano que Octávio Ianni traz ao texto. De fato, o neoliberalismo rompeu com a lógica nacional-desenvolvimentista presente nas nações subdesenvolvidas. Pode-se perceber isto no projeto econômico brasileiro, que possuía um forte caráter desenvolvimentista criado no governo de Vargas e Juscelino Kubitschek, mas abandonado em nome do capital estrangeiro.
O autor da obra apresenta a principal função da grande massa de indivíduos que compõe o Estado: mover-se apenas nos espaços do mercado. Torna-se claro que as políticas do sistema capitalista visa construir uma sociedade altamente consumista e que estas não participem de eventos que geram a sociedade capitalista, as decisões políticas, econômicas e sociais. Em países em desenvolvimento, como o caso do Brasil, essa alienação produz consumidores que não dispõe de recursos financeiros próprios para fazer parte desta lógica mercantil. É perceptível o desenvolvimento de uma sociedade de barbárie, devido a existência desta espécie de consumidor, denominado por Bauman, os consumidores falhos. Além disso, esses consumidores não se enquadram na perspectiva abordada por Octavio Ianni de conscientização para romper com o sistema vigente. Partindo do princípio do crescente consumo em massa, esta classe não deseja romper com as estruturas mercantis, por que também deseja acumular capital. Desta forma ela não rompe o sistema, o mantem.
Uma forma de aprofundar a discussão de Octavio Ianni com respeito a individualidade, é trazer um mecanismo utilizado pela politica neoliberal para consolidar-se no cenário mundial: a repressão violenta de todas as solidariedades criadas dentro dos movimentos sociais urbanos e das classes trabalhadoras. Como características do Estado neoliberal já apresentadas, este adota uma politica de corte referente aos gastos públicos no qual a responsabilidade para se manter na sociedade recai sobre o individuo. Assim, a grande e violenta repressão aos movimentos sociais provoca uma destruição dessa relação social possibilitando a não existência de um sentimento forte e coeso de classe social, trazendo base para a dominação do sistema neoliberal. Essa medida ocasiona em um enfraquecimento da representatividade dessa classe. A grande competitividade gerada pelo sistema neoliberal é um fator primordial para a consolidação de uma sociedade de indivíduos, já que estes não querem apenas a “defender os seus interesses através de uma mudança social”, mas sim participar ativamente desse processo de acumulação do capital.
A sugestão de transformação Octavio Ianni assemelha-se a visão marxista, de encontrar na classe subalterna (no caso de Marx, a operária) o poder para mudar o poder estatal. Contudo, é importante salientar que não trata-se de um projeto fácil, no qual as classes periféricas vão reunir-se e conscientizar-se homogeneamente. O que se deve analisar é que a integração do estado com a sociedade civil não é uma ação que deverá ser conduzida somente pelos indivíduos. No atual estagio do capitalismo, é utópico pensar nessa possibilidade, já que existe toda uma conjuntura internacional no qual as nações estão inseridas, mostrando que as mudanças deste tipo, não são somente inerentes ao nacional. Primeiramente, os movimentos sociais devem concentrar-se no seu objetivo central segundo David Harvey: confrontar o poder de classe. Assim, pondo as diferenças étnicas em segundo plano, países diferentes, com diversos conceitos de democracia podem lutar por politicas igualitárias e uma justiça econômica. Além disso, é preciso desconstruir a perspectiva de marxismo utópico, pois será necessário muito mais que conscientização para remover uma lógica tão antidemocrática e entrincheirada, como o neoliberalismo.
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